Na coletânea de hoje vou buscar inspiração com um filósofo e historiador francês chamado Michel Foucault. Ele viveu até 1984 e, entre muitas outras coisas interessantíssimas, desenvolveu teorias sobre a relação entre o poder e o conhecimento.
Segundo Foucault, o conceito de poder está entranhado em todas as instâncias da vida e em cada pessoa.
A Sofia, com 2 anos e meio, já reconhecia que era muito poderosa. Ela adorava brincar de super-heroína e, a primeira vez em que viajou de avião, foi do saguão do aeroporto até a entrada da aeronave dizendo em alto e bom som:
– Eu sou podelosa! Eu sou muito podelosa!!!
Quando o avião decolou, no entanto, ela ficou muda e assim permaneceu por bastante tempo.
– O que foi filha? – perguntou a mãe estranhando.
– Ah, mamãe, eu não sou muito podelosa, não… – respondeu Sofia com olhar tristinho.
– Não? E por quê?
– Ah… é poque eu não tenho zazas…
Meu filho mais velho desde pequeno mostra-se poderoso e adepto da filosofia “eu mando em mim”. Quando ele tinha uns 4 anos e pouco eu tentei uma estratégia:
– Ok, então mande, por favor, que você tome banho, porque seu corpo está sujo… e mande também que você coloque um casaco, porque esfriou…
Mas antes de obedecer ele já perguntou:
– Ô mãe, você tá mandando eu mandar em mim??
Foucault também nos conta que poder é sinônimo de dominação. Mas as relações de poder não se restringem ao que seria repressor, também dizem respeito à criação de verdades e, tanto o poder quanto o conhecimento são frequentemente usados como uma forma de controle social por meio de instituições sociais. Eu concluo que, quando lembramos que a família também é uma instituição social, podemos questionar verdades, compartilhar poderes, evitar repressões e viver em cooperação e respeito mútuo, mas… as vezes a paciência falta e às vezes os filhos também querem tomar o poder!
O Gael, com 3 anos, chegou a declarar:
– Eu é que mando!
– Onde você manda? – pergunta sua mãe.
– Na bagaça! – conclui o pequeno.
A mãe do Nicolas, de quase 6 anos, busca as formas mais cooperativas de educar e outro dia explicou bem detalhadamente:
– Filho, eu não mando, porém sou responsável por você. Tem coisas que preciso direcionar…
Mas foi interrompida pela conclusão:
– Mãe, este é um mando disfarçado com amor, né?
O Mattias, com 5 anos, andava incomodado com a distribuição do poder em casa e questionou:
– Mãe, mas você acha que é você quem manda?
– Eu não mando, né? A gente convive. – respondeu a mãe cheia de sabedoria.
Mas o pequeno não se deu por satisfeito e declarou:
– Eu não gosto que você convive em mim!
E quando a disputa pelo poder fica intensa entre os irmãos? Theo e Ian vivem querendo mandar um no outro… e como brigam! Há alguns anos, a avó dos garotos até tentou ajudar e disse:
– Theo, você é o irmão mais velho, precisa proteger seu irmãozinho e não assustá-lo gritando. Você é o protetor.
Mas o carinha, com 3 anos e meio, logo respondeu:
– Tá maluca, Vó, protetor é solar, a gente usa na praia!
Quando tinha 4 anos, o Miguel foi surpreendido enquanto seu irmão caçula chorava:
– Migue-el, o que aconteceu? – perguntou a mãe.
E o primogênito tratou de explicar:
– Nada, mamãe… (pausa)… Foi só uma parte do meu corpo que machucou o meu irmão!
Na sala de espera do consultório médico, Bruno, de 3 anos, e Renato, 6 anos, começaram uma discussão:
– Bruno, para quieto! – fala o irmão mais velho.
– Mas eu sou um super herói! – responde o caçula, meio indignado.
– É nada… super herói tem super poderes e…
– Eu tenho super poderes!!! – interrompe Bruno, mais indignado ainda.
– Você nem consegue voar! Como você é um super herói e não consegue voar? – provoca Renato.
Após uma breve pausa, Bruno, acha sua resposta e explica, com calma:
– É porque eu sou fiote de super-herói ainda.
Entre primos, a disputa de poder também se faz presente…
Em um almoço de família a Sofia, de 2 anos, não estava com paciência, principalmente com a prima, também de 2 anos.
Papo vai, papo vem e de repente a prima leva o maior tapão!
– Filha, você bateu na sua prima??? – pergunta a mãe, tentando entender a situação.
E, com muuuita calma, a Sofia responde:
– Nããão, mamãe, eu não bati, eu fiz um carinho rápido…
Sobre poder e sucessão, o Mattias, com 3 anos e 3 meses, quis deixar avisado:
– Mãe, quando eu fizer 8 anos eu vou jogar você fola!
E o Tomás, com 3 anos e meio, foi mais dramático:
– Mãe, quando você morrer eu vou comer o tanto de chiclete que eu quiser!
E assim vamos vivendo, né, gente? Como pais, filhos, irmãos, primos… vamos errando e acertando em nossas relações familiares e também nas reconstruções das nossas queridas famílias… Poderíamos ainda refletir sobre outros autores, sobre possíveis diferenças entre poder autoritário X autoridade, mas vou deixar assunto para futuras coletâneas, ok?
Pra finalizar, quero dizer que acredito que com bom humor fica mais fácil rever conceitos ultrapassados e buscar formas mais conscientes de ensino-aprendizagem. Sempre com respeito, claro!
E, por falar em respeito, o Juan, com 5 anos, começou a falar sobre esse tema e sua mãe questionou:
– Você por acaso sabe o que é respeito?
E ele respondeu:
– Cáro que sei! É quando você deixa uma pessoa ser o que ela quiser sem falar nada.
(Caploft!)
** título adaptado a partir do título “Microfísica do Poder”, de Michel Foucault
Referências:
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organizaçao e tradução de Roberto. Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
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histórias enviadas pelas queridas: Anna, Anne, Carla, Flavia, Laura, Maíra D., Melina, Roseane e Thami.